quinta-feira, 9 de junho de 2011

Uso da imprensa

Acabo de ler a matéria de capa do Correio da Bahia de hoje: "Agentes apontam os bairros mais perigosos" (pags. 26 e 27). O primeiro pensamento de qualquer mortal preocupado com a crescente violência da sua cidade é saber se o bairro onde mora está na "fatídica lista". O meu não estava. Alívio? Não. Um outro bem próximo, está. Alívio? Não. Você começa pensando em você, na sua família, amigos e, em algum momento, você pensa na coletividade. Não entendo como seja possível pensar de outro jeito.
Bem, apesar do desabafo inicial, esse não é o motivo que me levou a escrever esse texto. A razão é o "uso da imprensa".
Na matéria, o jornalista foca o risco que os trabalhadores - que precisam ir de casa em casa para executarem suas atividades - correm porque traficantes dos tais bairros, os confundem com "olheiros" da polícia.
O que não foi mencionado em momento algum pelo futuro colega, é que nesses ou em qualquer outro bairro desta cidade e estado mal administrados, a maioria dos moradores são pessoas honestas e trabalhadoras. E que, além de sofrerem com a violência física à porta de suas casas, estão sujeitos a manterem, perderem ou não conseguirem empregos de acordo a avaliação que os empregadores fizerem do seu perfil pelo fato de habitarem nesta ou naquela localidade. 
Então vem a imprensa e fortalece esse discurso discriminativo estampado numa capa de jornal e dentro uma lista com os nomes dos bairros sob o título de "mais perigosos". Qual era a intenção mesmo? "Ajudar" um determinado número de trabalhadores que se manifestaram as ameaças e agressões?! Tudo bem. E aos outros todos, ignora-se? 
Penso que melhor caberia perguntar: Por que a situação chegou a esse ponto? Os moradores todos são traficantes ou marginais? Quem são as vítimas? Moram ali por escolha própria? Qual o papel e bom uso da imprensa?



 
P.S   Quem dera fosse apenas essa matéria. Mas infelizmente esse é apenas MAIS UM exemplo.

4 comentários:

  1. A idéia é exatamente essa.
    Compramos notícias ou terror? Informação ou pânico? Quando foi que a nossa imprensa se especializou em vender a miséria da humanidade?
    Precisamos olhar para frente e ver se o futuro que nós queremos é o que estamos plantando.

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  2. Hum Gi.. está escrevendo muito bem!! Saudades.. bjão... ah, em relação ao post digo: agora você faz parte da nova geração não só jornalística, mas principalmente social, ou seja, é mais uma voz que clama por justiça, igualdade, respeito, dentre outras qualidades que foram arrancadas de algumas classes humanas. (Matheus Moura)

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  3. Acontece que não há intenção humanitária em negócio financeiro, e não poderia ser diferente em jornal algum. O que seria da mídia se dependesse do pouco (ou inexistente) poder crítico da massa ignorante desse país para obter seus lucros? O mais rentável é noticiar problemas e catástrofes, independente de qualquer senso de coletividade ou ética.
    Seria muito ingênuo pensar que a mídia, dona do bordel (como disse a música "o bêbado e a equilibrista"), se inclinaria a questões sociais, menos ainda se preocuparia com o proletariado desempregado das favelas. Ela tem questões mais importantes: qual foto de capa venderá mais o jornal, será a que o jogador de futebol está com as mãos para cima ou de cabeça baixa? Aquela que o cadáver está coberto com lençol, ou a que mostra o desabamento de barracos? Acho que foi uma sacada de mestre daquele jornalista fazer o papel que o Secretário de Segurança Pública jamais faria. Saber onde mora o perigo é realmente o anseio de qualquer ser humano, é o que vende. O resto é resto.
    A atitude desse jornalista é completamente compreensível. Não existe quantidade expressiva de leitores que compreenderão um texto acerca de causas e consequências da desgraça humana brasileira. Cansa ao analfabeto funcional entender escritos acerca de o porquê que é insalubre e indigna a moradia na qual habita, ou por quê o vizinho dele é traficante. Mais atraente é ler "Agentes apontam bairros mais perigosos". Quem lê pensa "será que é o meu?", sendo pobre, ou "deixe-me ver quais são pra eu nunca passar por lá". Isso vende muito, atinge toda a clientela. Isso basta. O resto é irrelevante.
    Confortamo-nos em saber que o - talvez - equívoco ou desleixo desse redator não reflete jamais no conjunto das pessoas brilhantes dessa profissão. Mas há de se convir que se referindo à grande mídia, o que poderia ser feito para o todo se esvai numa egoística busca pelo lucro, e que a responsabilidade que existe sobre o teclado do computador de uma redação de jornal jamais pode se entregar a tal falta vergonhosa de escrúpulos e ética.

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  4. Mário, entendo e compartilho da sua desilusão com a mídia. Mas, o que não podemos é aceitar isso como algo "normal". É comum mas não é normal.
    A minha ilusão do jornalismo como algo "sagrado" e altruísta já passou, mas o fato é que mesmo uma redação de jornal, uma emissora de tv ou de rádio serem empresas, diferenciam-se - devem diferenciar-se - das outras pela essência da profissão que escolheram/acolheram. Dá pra fazer de outro jeito - assitimos a isso todos os dias -, mas não é pra fazer assim.
    "O exercício da profissão de jornalista é uma atividade de natureza social" (Capítulo II - Da conduta profissional do jornalista Art. 3º). O que está fora disso é opção, da pessoa do jornalista, do veículo, da ditadura do capitalismo, da falta de educação ou da distorção de valores. Ou seja, problemas profundos que, infelizmente ainda veremos muito.
    Porém, preciso acreditar que posso contribuir com alguma semente que seja, senão,acreditaria que fiz a escolha errada. E não fiz...

    Um abraço solidário, rs.



    Têu e Cris, saudades!!

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